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RAMYRIA SANTIAGO É DESTAQUE NOS ANAIS DA COLUNA UOL DA REVISTA PIAUI: Como funciona o assédio judicial contra jornalistas no Brasil. A revista fala sobre o trabalho de Ramyria Santiago em Codó

Anais do cala-boca

“TUDO AQUI É PADRÃO”

Como funciona o assédio judicial contra jornalistas no Brasil
ALLAN DE ABREU

Ramyria Santiago comeu o pão que o diabo amassou – e chegou aonde queria. Órfã de mãe aos 6 anos, natural de São Luis/MA. criada pelo avô, cresceu cercada por dificuldades, estudou menos do que gostaria e, aos 15 anos, já estava colocando a voz na Rádio Riacho Água Fria, o primeiro passo do sonho de ser jornalista e passou por diversas Radios de tvs de Codó.

Logo em seguida, em abril de 2011, aos23 anos, tomou a decisão que a tornaria uma figura conhecida em Codó, sua
cidade no interior do Maranhão: abriu o Blog da Ramyria Santiago, também conhecido como “Blog rosa” por causa da cor predominante do layout da página na internet. Em um dia comum, trabalha pela manhã na afiliada da Rede tv!, e à tarde opera o seu blog.

“Nele, eu abordo notícias que não consigo dizer na tevê, principalmente as policiais. Eu adoro correr atrás de uma ocorrência policial e gosto muito de ouvir o povo, a comunidade, amo fazer reportagem”, diz a jornalista.

“O blog é o meu lugar de fala, de uma  mulher preta que tem orgulho de ser  quem é, apesar de todo o machismo e o preconceito, que ainda são fortes por aqui.” Ramyria Santiago sofreu ameaças e processos, em um estado tradicionalmente hostil ao jornalismo – na última década, três jornalistas blogueiros foram assassinados no Maranhão.

Em razão de um texto sobre um jovem acusado de estupro, teve de se esconder no prédio da tevê para fugir da agressão de familiares do rapaz. Já fez matéria sobre um homicida, e recebeu ameaças por WhatsApp, por meio de uma ligação feita diretamente do presídio.

Codó, uma cidade pobre a pouco mais de 300 km de São Luís, tem 114 mil moradores. Os blogs dos dois jornalistas, juntos, Ramyria e marcos somam 400 mil acessos mensais, segundo a Similarweb, plataforma que mede a audiência na internet. Para o tamanho da cidade, é uma audiência respeitável.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) tem uma definição para o assédio judicial contra jornalistas:

“Uso de medidas judiciais de efeitos intimidatórios contra o jornalismo, em reação abusiva a conteúdo de interesse público.” Na prática, o assédio judicial se manifesta de diversas formas. Pode se dar pela abertura de uma enorme quantidade de processos, por processos abertos em cidades diferentes, por pedidos de indenização de valor altíssimo ou pela desigualdade de forças – a chamada “paridade de armas” – entre as partes.

Silva responde hoje a 35 processos movidos por Oliveira. Santiago,30.

O argumento central do advogado é que sua privacidade foi violada com a divulgação de fotos de presidiário. O advogado também alega que os blogs fazem “publicação de inverdades”.

A população de Codó sabe de tudo isso porque os blogs de Silva e Santiago noticiaram caso por caso. A razão de tantas ações contra os blogueiros apareceu na manhã do dia 12 de Santiago, no entanto, nem conseguiu se defender nas primeiras audiências. “O juiz não me deixava falar”, diz.

Sem advogado, ela foi condenada em duas ações civis a pagar um total de 10 mil reais de indenização a Oliveira.

Para garantir o pagamento, teve suas contas bancárias bloqueadas e o benefício social que recebia, que pertence a sua irmã deficiente intelectual foi penhorado.

“Fiquei sem dinheiro nenhum e tive que fechar uma pequena loja de calçados no Centro de Codó.” Sua situação só mudou quando pediu ajuda ao Tornavoz, que atua na defesa jurídica de jornalistas. Desde então, Santiago não voltou a ser condenada. Ela se emociona quando relembra da primeira audiência com os advogados da entidade.

“Só ali eu me senti respeitada.”

Entre as centenas de processos mencionados nesta reportagem, apenas Ramyria Santiago foi condenada em dois casos. Em todos os outros que já foram julgados, os assediados foram absolvidos. Ainda assim, num sinal de que o assédio judicial dispensa a condenação para surtir efeito, já houve impacto profundo.

A piauí teve acesso exclusivo a um levantamento realizado pela Abraji na Justiça brasileira. Mostra que, entre os quase 6 mil processos em curso que tratam da liberdade de expressão, há 654 ações contra jornalistas que podem
ser caracterizadas como assédio judicial.

LINK; https://piaui.folha.uol.com.br/materia/como-funciona-o-assedio-judicial-contra-jornalistas-no-brasil/

(O levantamento não inclui processos que correm em segredo de Justiça.) A pesquisa encontrou ações em que os pedidos de indenização chegam a 30 milhões de reais.

“O assédio judicial contra o jornalismo não se limita a casos isolados. É algo sistemático, que nem o uso de técnicas rigorosas na apuração de um fato pelo repórter consegue evitar”, diz Letícia Sarmento Kleim, assistente jurídica da Abraji.

A situação se agravou de 2019 para cá, depois da ascensão da extrema direita ao governo com Jair Bolsonaro. Dos 654 processos em tramitação, 434 têm menos de cinco anos.

“É paradoxal que a extrema  direita invoque com frequência a liberdade de expressão absoluta para defender discurso de ódio, mas se diga ofendida com críticas oriundas do jornalismo profissional, muitas delas baseadas em fatos”, diz o desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade, do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro, especialista no tema liberdade de expressão.

O número 654 não parece alto – dá  uma média de 25 processos por estado –, mas há indicadores de que o Brasil está entre os países que mais hostilizam seus jornalistas no plano judicial. O Media Defence, uma ong baseada em Londres que custeia a defesa jurídica de repórteres em todo o mundo, já bancou as despesas de 1 450 profissionais desde sua fundação, em 2008. O maior número – 249 – é de brasileiros. Em segundo lugar, aparecem os jornalistas do Azerbaijão, com 195 casos. Em terceiro, a Rússia, com 103.

O caso do Brasil é um dos mais agudos do mundo pela combinação de dois fatores. Um deles é cultural. A Constituição de 1988 consagrou a liberdade de expressão, mas o conceito nunca foi apreendido
pela sociedade brasileira.

A liberdade de expressão foi imposta aos brasileiros pela Constituição sem que houvesse um substrato social que apoiasse o conceito”, diz

A advogada Taís Gasparian, fundadora do Tornavoz, entidade baseada em São Paulo que atua na defesa jurídica de pessoas processadas pelo exercício da liberdade de pensamento e expressão.

“Um sinal de que somos imaturos para lidar com a livre circulação das ideias é que no Brasil da herança coronelista já se nasce com honra, e todos sabemos que honra se constrói, não é hereditária”, completa Gasparian.

O outro fator é o funcionamento da Justiça.

Em 1995, com a criação dos Juizados Especiais Cíveis (jecs), o acesso ao Judiciário, sobretudo para garantir os direitos do consumidor, tornou-se mais amplo e democrático – o que representou um avanço.

Nos jecs não é preciso contratar advogado, nem pagar taxa, nem se exige que o autor ingresse com ação na comarca
do réu, como manda a lei nos demais casos. Mas não demorou muito para que as facilidades dos jecs fossem distorcidas, abrindo caminho para o assédio judicial.

No caso dos jornalistas, segundo o levantamento da Abraji, dois terços dos 654 casos de assédio tramitam nos jecs.

“No assédio judicial, o objetivo da pessoa, da empresa ou da entidade não é vencer as ações, mas causar transtornos à empresa de mídia e ao jornalista, que são obrigados a se defender em cada um dos processos, gerando perda de tempo e de dinheiro”, diz o desembargador Corrêa de Andrade, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Um dos primeiros usos abusivos dos jecs aconteceu em São Paulo. Entre 1997 e 1998, alguns episódios do programa

A advogada Taís Gasparian defende a piauí em seis  processos judiciais. ma humorístico Casseta & Planeta, então exibido pela TV Globo, satirizaram a truculência dos policiais militares que haviam sido flagrados extorquindo dinheiro e executando moradores da favela Naval, na periferia de Diadema, Região Metropolitana de São Paulo. Na
ocasião, 270 policiais do 24º Batalhão da pm ingressaram com 132 processos contra a emissora por danos morais no jec.

A Globo venceu todas as ações, mas a porteira para o assédio estava aberta.
A Igreja Universal do Reino de Deus percebeu logo.

Em janeiro de 1997, a revista IstoÉ publicou uma reportagem sob o título O calvário do bispo. O repórter Gilberto Nascimento narrava as dificuldades do bispo Edir Macedo com a queda do faturamento anual da Igreja Universal do Reino de Deus, que ele fundara vinte anos antes. Incomodado com a reportagem, um grupo de pastores apresentou cinco queixas-crime contra o repórter, além de uma ação por danos morais.

Gilberto Nascimento ganhou todas.

Em 2006, a tática voltou a ser aplicada. O programa Linha Direta, também exibido pela Globo, tratou do assassinato do jovem Lucas Terra por dois pastores da Universal, em Salvador, em 2001. Fiéis e pastores protocolaram 96 ações em jecs, sendo 3 em lugares distantes da Bahia, como Juína, em Mato Grosso, e Buritis, em Rondônia.

Reportagem completa em  https://piaui.folha.uol.com.br/materia/como-funciona-o-assedio-judicial-contra-jornalistas-no-brasil/

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